pausa: um luxo essencial e urgente - #dd20
- du
- 7 de jul.
- 6 min de leitura
Atualizado: 13 de ago.
em um mundo que não pára, onde a produtividade é quase uma religião e o tempo é sempre escasso, fazer uma pausa tornou-se um ato quase revolucionário.....
"descanse quando estiver morto", dizem por aí.....
"tempo é dinheiro", repete o capitalismo.....
"não perca tempo", advertem os gurus do sucesso (de vender sucessos).....
mas será que podemos realmente viver sem pausas???
será que o descanso é mesmo um luxo ou uma necessidade básica que temos negligenciado??
bertrand russell em seu brilhante ensaio "elogio ao ócio" disse: "o trabalho é desejável, mas não em excesso. a crença moderna de que o trabalho é uma virtude em si mesmo é a causa de grandes males em nosso mundo moderno".....
♦ pausar por pausar, não apenas para progredir ♦
existe uma diferença sutil, mas fundamental, entre pausar como estratégia para melhorar a produtividade e pausar como um fim em si mesmo.....
progredir também depende de pausas... e não estou falando de parar para tomar distância para um salto, ou para se preparar para um desafio 'x'... estou falando de parar mesmo, de deixar o corpo e a mente descansar, de cuidar de si, de respirar e sentir a própria respiração.....
pausar não precisa ter uma justificativa utilitária.....
não precisamos descansar apenas para produzir mais depois.....
podemos simplesmente pausar porque existir, por si só, já é exaustivo às vezes.....
porque merecemos esse tempo conosco mesmas(os).....
como escreveu neruda: "é preciso que eu descanse de mim mesmo, e aguarde que retorne e me traga novos silêncios".....
♦ a biologia da pausa ♦
nossos corpos não foram feitos para funcionar ininterruptamente.....
a própria natureza opera em ciclos de atividade e descanso.....
respiramos e há um intervalo entre a inspiração e a expiração.....
as estações do ano se alternam entre períodos de crescimento e recolhimento.....
os ciclos de sono e vigília regulam nossa existência diária.....
até mesmo nosso cérebro, esse órgão fascinante, precisa do sono para processar informações, consolidar memórias e se regenerar.....
você já deve ter sido apresentado a estudos mostram que a privação de sono afeta drasticamente nossa capacidade cognitiva, humor e saúde física.....
como escreveu o monge thich nhat hanh: "não podemos ver as estrelas durante o dia, mas sabemos que elas estão lá. às vezes precisamos da escuridão e do repouso para ver as coisas mais claramente".....
♦ descanso produtivo x descanso verdadeiro ♦
mas atenção: nem toda pausa é verdadeiramente uma pausa.....
na atualidade, estamos em constante risco de cair na armadilha do "descanso produtivo" - aquele em que trocamos o trabalho por outra atividade que, embora diferente, ainda exige esforço mental ou físico.....
scrollar infinitamente pelas redes sociais, maratonar séries compulsivamente, ou até mesmo transformar hobbies em projetos com metas e prazos.....
o verdadeiro descanso envolve permitir-se simplesmente ser, sem a pressão de estar fazendo algo "útil" ou "produtivo".....
é aquele momento em que nos desconectamos não apenas das tarefas, mas da própria mentalidade de produção constante.....
mary oliver começa seu poema wild geese (gansos selvagens) nos dizendo: "você não tem que ser boa.
você não tem que caminhar milhares de quilômetros
de joelhos no deserto arrependida.
você só tem que deixar o animal macio do seu corpo
amar aquilo que ama.".....
é permitir-se apenas existir de forma mais natural, sem tantas cobranças e expectativas..... é quase uma definição poética do que seria o verdadeiro descanso: não um descanso utilitário ou produtivo, mas um estado de ser onde nos permitimos simplesmente existir e amar o que amamos naturalmente......
♦ a pausa como resistência política ♦
em uma sociedade que valoriza a ocupação constante, permitir-se pausar é um ato político.....
é dizer não à lógica de que nosso valor está atrelado à nossa produtividade.....
é recusar a idéia de que tempo livre é tempo desperdiçado.....
é reconhecer que existimos além do que produzimos ou consumimos.....
audre lorde, poeta e ativista, nos lembra que "cuidar de si não é auto-indulgência, é auto-preservação, e isso é um ato de guerra política".....
e não é por acaso que estamos vendo movimentos por mudanças nas jornadas de trabalho ganharem força.....
aqui a discussão sobre o fim da escala 6x1.....
em vários outros países os testes de jornada 4x3 com dias de 6 horas se mostrando muito bem sucedidos...
e as vezes paramos com greves por melhores condições.....
tudo isso faz parte de uma mesma luta: o direito ao nosso próprio tempo.....
o filósofo domenico de masi, em seu livro "o ócio criativo", argumenta que "o futuro pertence a quem souber libertar-se da idéia tradicional do trabalho como obrigação ou dever e for capaz de apostar numa mistura de atividades, onde o trabalho se confundirá com o tempo livre, com o estudo e com o jogo".....
mas há um paradoxo cruel nessa luta:
para muitas pessoas, parar significa abrir mão dos meios de sobrevivência.....
a precarização do trabalho, a uberização da economia, a ausência de direitos trabalhistas básicos..... como falar de pausas quando o sistema econômico pune quem ousa descansar????
talvez por isso mesmo a luta por pausas seja tão revolucionária.....
não é apenas uma questão individual de bem-estar, mas uma questão coletiva de justiça social.....
como disse a filósofa silvia federici: "nada tem sido tão poderoso na normalização do capitalismo quanto a representação do salário e do lucro como fontes de emancipação"..... quando na verdade a emancipação está em desmontar a ordem estabelecida de opressores e oprimidos, submetidos a tal opressão sem alternativa....
♦ a arte de pausar ♦
pausar é uma habilidade que precisa ser cultivada, especialmente em tempos onde a distração constante é a norma.....
pode começar com pequenos momentos: cinco minutos de respiração consciente, uma caminhada sem celular, um chá bebido com atenção plena, ou simplesmente olhar pela janela e observar o movimento das nuvens, a beleza da chuva e etc.....
para algumas pessoas, pode ser um dia inteiro desconectado das tecnologias..... para outras, férias longe da rotina habitual.....
o importante é que seja um tempo verdadeiramente seu, livre de cobranças e expectativas.....
pausas curtas, médias, mais longas e enormes..... todas têm seu valor e seu lugar em nossas vidas.....
como escreveu fernando pessoa: "há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. é o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos".....
o paradoxo da pausa é que, ao nos permitirmos desacelerar, muitas vezes encontramos mais clareza e energia para quando decidirmos retomar o movimento.....
é no silêncio que muitas vezes surgem as idéias mais criativas.....
é no descanso que nosso corpo se regenera.....
é na distância que ganhamos perspectiva sobre nossas vidas e escolhas.....
como diria o filósofo byung-chul han: "o excesso de positividade se manifesta como excesso de estímulos, informações e impulsos. modifica radicalmente a estrutura e economia da atenção. com isso, fragmenta e destrói a atenção".....
han, assim, argumenta que vivemos na "sociedade do cansaço", onde a pressão para otimizar cada segundo nos leva a um estado de auto-exploração constante.....
para ele, a verdadeira liberdade não está em fazer mais coisas em menos tempo, mas em recuperar nossa capacidade de contemplação profunda, algo que só é possível quando nos permitimos pausar verdadeiramente.....
♦ um convite à pausa ♦
este texto é, em si, só um convite.....
um convite a questionar a cultura da pressa e da ocupação constante.....
um convite a redescobrir o valor do tempo não-produtivo.....
um convite a experimentar, mesmo que por alguns minutos, o luxo essencial da pausa.....
como escreveu clarice lispector: "não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento".....
talvez seja na pausa que encontremos não apenas descanso, mas também partes de nós mesmas(os) que havíamos esquecido no turbilhão da vida cotidiana.....
quando foi a última vez que você se permitiu não fazer absolutamente nada???
como você lida com essa difícil tarefa de simplesmente existir, sem produzir, sem consumir, sem otimizar???
em um mundo que nos cobra presença e produção constantes, como podemos criar pequenas revoluções diárias em favor do nosso direito ao descanso????
talvez possamos começar defendendo nossas próprias pausas, por menores que sejam.....
talvez possamos questionar a cultura do "sempre ocupado" quando alguém nos pergunta como estamos.....
talvez possamos normalizar dizer "não" a compromissos que só servem para preencher agenda.....
a luta por uma sociedade que valorize o descanso tanto quanto valoriza o trabalho começa em nossas escolhas cotidianas, em nossos pequenos atos de resistência contra a tirania da produtividade.....
e você, está pronta(o) para essa revolução silenciosa?
no mais, até mais!!!
espalhe estas inquietações para outras(os) e até a próxima verdade absoluta!!!!
compartilhe suas experiências nos comentários...
sua opinião é importante....
quer mergulhar em outras reflexões profundas???
no último ensaio exploramos a tirania da escolha.....
vale a pena conferir!... [leia aqui]
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