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a sabedoria do silêncio - #dd21

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    du
  • 14 de jul.
  • 8 min de leitura

Atualizado: 13 de ago.


vivemos em um mundo onde o silêncio se tornou algo raro, precioso.....


não que não o apreciemos - pelo contrário, muitas vezes o buscamos desesperadamente - mas ele se tornou escasso, frequentemente esquecido na correria diária e na submersão constante nos ruídos.....


notificações incessantes, motores a todo lado, músicas de fundo em lojas e restaurantes, televisores ligados em salas de espera, podcasts durante a caminhada, séries antes de dormir..... o ruído se tornou a trilha sonora da nossa existência.....


como observou o filósofo pascal: "toda a infelicidade dos homens provém de uma só coisa: não saber ficar quieto num quarto"..... embora escrita no século XVII, essa reflexão parece mais atual do que nunca.....




♦ o estranhamento do silêncio ♦


por que nos sentimos tão desconfortáveis com o silêncio?


talvez porque, em grande parte, ele nos seja desconhecido..... não sabemos como habitá-lo, como nos relacionar com ele..... no silêncio, somos convidadas(os) a nos encontrar..... a ouvir nossos pensamentos, a sentir nossas emoções, a confrontar nossas inquietações.....


como escreveu fernando pessoa: "há um grande silêncio que dorme no fundo do meu silêncio: nunca é silêncio senão quando estou só".....


o ruído constante funciona como uma espécie de anestésico..... nos distrai das grandes questões, nos protege do desconforto de estar verdadeiramente presentes, nos poupa do trabalho de olhar para dentro.....


a escritora susan sontag observou que "o silêncio permanece, inescapavelmente, uma forma de discurso (em muitos casos, de reclamação ou acusação) e um elemento de um diálogo" e que "assim como não existe o espaço vazio, não existe o tempo vazio"..... o silêncio nunca é realmente vazio - ele está cheio de nós mesmas(os).....




♦ silêncio imposto x silêncio escolhido ♦


é importante distinguir entre o silêncio que nos é imposto e aquele que escolhemos.....


o silêncio imposto, aquele usado para calar vozes dissidentes, para marginalizar grupos, para esconder verdades inconvenientes, é uma ferramenta de opressão..... como disse audre lorde: "seu silêncio não vai proteger você" é preciso gritarmos resistência.....


já o silêncio escolhido, aquele que buscamos conscientemente como espaço de reflexão, de escuta, de presença, é um ato de resistência e autocuidado.....


é uma forma de dizer "não" ao excesso de estímulos, de criar um espaço onde possamos realmente ouvir - a nós mesmas(os) e aos outros.....


como escreveu thich nhat hanh: "o silêncio não é algo que você possa ver, mas você pode ouvir. o silêncio é um tipo de som, é um tipo de música".....




♦ o silêncio como espaço de escuta ♦


talvez uma das maiores sabedorias do silêncio seja sua capacidade de criar espaço para a escuta verdadeira.....


em um mundo onde todos falam ao mesmo tempo, onde opiniões são disparadas antes mesmo que as idéias sejam completamente formadas, onde a pressa de responder supera o desejo de compreender, o silêncio se torna um ato revolucionário.....


como diria o poeta rumi: "a língua é apenas um instrumento de comunicação. o coração tem sua própria linguagem. o coração conhece um tipo de grafia que não pode ser lida nem escrita".....


o silêncio nos permite ouvir não apenas as palavras ditas, mas também as não-ditas..... nos permite perceber nuances, sentir intenções e 'energias', compreender para além do óbvio.....




♦ o silêncio na era digital ♦


a era digital trouxe novos desafios para nossa relação com o silêncio.....


as redes sociais criaram uma cultura onde o silêncio é freqüentemente interpretado como indiferença ou concordância..... "quem cala, consente", diz o ditado popular, agora amplificado pelos algoritmos que premiam a interação constante.....


byung-chul han, em seu livro 'no enxame', argumenta que "a comunicação digital, devido à sua temporalidade, não favorece o silêncio. o silêncio não é simplesmente uma pausa, mas uma condição fundamental para o pensamento".....


encontrar silêncio digital, momentos em que nos desconectamos completamente, em que permitimos que nossos pensamentos fluam sem a interrupção constante de notificações, tornou-se um desafio e, ao mesmo tempo, uma necessidade urgente.....


um pequeno compromisso pessoal que estou implementando é: sempre que possível, desligar as notificações diariamente de 20h às 10h (com exceção, claro, para dias em que o trabalho, ou outra necessidade maior, se encaixe nesses horários)..... uma pequena revolução silenciosa no cotidiano.....




♦ a impossibilidade do silêncio absoluto ♦


é curioso pensar que o silêncio absoluto é algo particularmente inconcebível e inalcançável em vida.....


mesmo em salas de isolamento acústico de níveis que beiram os 100%, ainda assim dois sons ecoam: o grave da circulação sanguínea e o agudo da atividade elétrica cerebral..... mais do que isso, apenas a morte.....


talvez seja justamente essa impossibilidade que torna o silêncio tão fascinante..... ele nunca é completo, nunca é perfeito, nunca é definitivo..... é sempre um convite, uma aproximação, uma prática.....


como escreveu john cage, após sua famosa peça 4'33": "não existe algo como silêncio. algo está sempre acontecendo que produz som".....




♦ o "não-silêncio" e a curadoria sonora ♦


curiosamente, muitas vezes o que buscamos não é o silêncio absoluto, mas um silêncio seletivo - uma espécie de curadoria sonora que nos permite focar apenas nos sons que escolhemos.....


pensemos em uma banda ensaiando em uma sala acusticamente isolada.....


o objetivo ali não é o silêncio, mas justamente o contrário: criar um espaço onde certos sons (a música) possam existir sem interferências externas..... ou quando usamos fones de ouvido, não para bloquear todos os sons, mas para selecionar o que queremos ouvir e dar atenção.....


esse "não-silêncio" controlado revela algo importante sobre nossa relação com o mundo sonoro: mais do que ausência total de som, muitas vezes buscamos o poder de escolher quais sons farão parte da nossa experiência.....


é uma forma de autonomia acústica, de criar nosso próprio ambiente sonoro em um mundo cada vez mais ruidoso.....


como observou o compositor r. murray schafer, criador do conceito de 'paisagem sonora': "o ouvido, diferentemente dos olhos, não pode ser fechado à vontade. o ouvido está sempre aberto, sempre recebendo".....


talvez por isso mesmo a curadoria sonora seja tão importante - é nossa forma de "fechar os ouvidos" para o que não queremos ouvir.....




♦ o silêncio como prática espiritual e filosófica ♦


em diversas tradições espirituais e filosóficas, o silêncio ocupa um lugar central.....


no budismo, a meditação silenciosa é um caminho para a iluminação.....


a técnica vipassana, por exemplo, praticada por milhões de pessoas ao redor do mundo, envolve períodos de silêncio máximo (incluindo a comunicação não-verbal) por dias ou até semanas..... nesse silêncio, busca-se a observação direta da realidade como ela é, sem filtros ou interpretações.....


no cristianismo, os mosteiros de clausura celebram o silêncio como forma de conexão com o divino.....


na filosofia estóica, o silêncio é valorizado como exercício de autocontrole e sabedoria.....


como escreveu lao-tsé: "o silêncio é uma fonte de grande força"..... mesmo para quem não segue nenhuma tradição específica, o silêncio pode ser uma prática transformadora, um momento para simplesmente ser, sem a pressão de produzir, consumir ou performar.....




♦ o silêncio na arte: intenção e expressão ♦


na poesia, na música e na arte em geral, o silêncio não é apenas ausência - é presença intencional, cuidadosamente calibrada.....


um poeta sabe exatamente onde colocar uma quebra de linha, criando um momento de suspensão.....


um músico entende o valor da pausa entre as notas, que dá forma à melodia.....


um pintor reconhece a importância do espaço vazio na tela, que permite que a imagem respire.....


o silêncio na arte tem duração estipulada, ritmo, propósito..... ele cria respiração, contraste, expectativa, resolução..... é tão expressivo quanto o som, a palavra ou a cor.....


como disse o compositor claude debussy: "a música não está nas notas, mas no silêncio entre elas".....




♦ os trabalhos silenciosos: invisibilidade e valor ♦


há uma dimensão social do silêncio que raramente notamos: a dos trabalhos, trabalhadoras e trabalhadores invisibilizados, que atuam silenciosamente sustentando nossa sociedade.....


quem limpa as ruas antes do amanhecer, para que encontremos tudo em ordem ao sairmos de casa.....


quem cuida de idosos, crianças ou doentes, em trabalhos de cuidado frequentemente desvalorizados.....


quem mantém funcionando a infraestrutura que usamos diariamente, das redes de esgoto à internet.....


são trabalhos essenciais, mas que acontecem em silêncio, sem reconhecimento ou valorização adequada..... como se o silêncio, nesse caso, não fosse uma escolha, mas uma imposição, a invisibilidade social de quem realiza as tarefas consideradas menos "nobres", menos "intelectuais", menos "importantes".....


como escreveu a filósofa silvia federici: "o trabalho doméstico foi transformado em um atributo natural em vez de ser reconhecido como trabalho"..... o mesmo poderia ser dito de tantos outros trabalhos silenciosos que sustentam nossa existência cotidiana.....


talvez parte da sabedoria do silêncio esteja em aprender a enxergar e valorizar esses trabalhos silenciosos, essas pessoas cujas vozes raramente ouvimos, mas de quem dependemos profundamente.....




♦ cultivando o silêncio no cotidiano ♦


como podemos cultivar o silêncio em nossas vidas cotidianas???


talvez comece com pequenos momentos: cinco minutos pela manhã antes de checar o celular..... uma caminhada sem fones de ouvido..... uma refeição sem distrações..... um banho onde apenas sentimos a água.....


ou talvez envolva práticas mais estruturadas: meditação diária, retiros de silêncio, dias inteiros sem dispositivos eletrônicos.....


como discrito que acontece na arte, o importante não é a forma, mas a intenção: criar espaços onde possamos nos reconectar com nós mesmas(os), onde possamos ouvir o que realmente importa, onde possamos existir para além do ruído.....


como escreveu virginia woolf: "como é importante para uma mulher ter um teto todo seu, se pretende mesmo escrever ficção".....


embora falando especificamente sobre mulheres e escrita, woolf aponta para algo universal: a necessidade de um espaço próprio, físico e mental, onde possamos nos encontrar.....




♦ silêncio, pausa e presença: uma tríade poderosa ♦


há uma conexão profunda entre o silêncio, a pausa e a presença.....


se a pausa, como exploramos em um texto anterior, é o luxo essencial e urgente de interromper o fluxo constante de atividades, o silêncio é o que encontramos nesse espaço de pausa..... e é no silêncio que a verdadeira presença se torna possível.....


como escrevemos antes sobre o presente: "estar presente é um ato de coragem e vulnerabilidade..... é abrir mão do controle ilusório sobre o passado e o futuro para habitar plenamente o agora, com todas as suas imperfeições e possibilidades".....


o silêncio nos convida a essa presença plena, a esse encontro corajoso com o momento atual..... nos lembra que existir, por si só, já é suficiente.....




♦ o silêncio como resistência política ♦


em uma sociedade que valoriza a produtividade constante, que nos cobra posicionamentos imediatos sobre tudo, que transforma até mesmo nossas experiências mais íntimas em conteúdo a ser compartilhado, escolher o silêncio pode ser um ato político.....


é dizer não à lógica do consumo e da exposição constante..... é recusar-se a participar da economia da atenção que transforma cada momento de silêncio em uma oportunidade perdida de engajamento.....


como escreveu a poeta adrienne rich: "a liberdade é diária, prosaica, não dramática; a liberdade é poética, não retórica".....




♦ um convite ao silêncio ♦


este texto é, em si, um paradoxo: usa palavras para falar sobre o valor do silêncio.....


mas talvez seja assim mesmo: precisamos às vezes de palavras para nos lembrar do valor do que está além delas..... precisamos de ruído para reconhecer a preciosidade do silêncio.....


o verdadeiro silêncio talvez não seja a ausência total de som, mas a presença total no momento, seja ele ruidoso ou quieto.....




♦ e você, como cultiva o silêncio? ♦


quando foi a última vez que você experimentou um momento de silêncio verdadeiro?????


quando se permitiu deitar na grama e apreciar as formas das nuvens???


como você se sente quando está em silêncio??? confortável???? ansiosa(o)?? em paz???? inquieta(o)???


que espaços de silêncio você poderia criar em sua vida cotidiana?????


talvez o silêncio seja, como tantas coisas valiosas na vida, uma prática, algo que cultivamos dia após dia, momento após momento, escolha após escolha.....


como escreveu clarice lispector: "o silêncio é tal que nem o pensamento pensa".....


e talvez seja justamente aí, nesse espaço além do pensamento, que encontremos a verdadeira sabedoria do silêncio.....



no mais, até mais!!!




espalhe estas inquietações para outras(os) e até a próxima verdade absoluta!!!!



compartilhe suas experiências nos comentários...

sua opinião é importante....



quer mergulhar em outras reflexões profundas???


no último ensaio como dito exploramos o conceito de pausa.....


vale a pena conferir!... [leia aqui]


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